21 de março de 2011

Entre letras, erros e acertos.

    
       O sol estava se pondo, era o sinal de que a noite estava chegando e ela, sentada ao chão frio, com alguns papéis entre os dedos, escrevia. Na rua estabelecia-se um silêncio singelo, uma luz que atravessava a fresta de uma das janelas e que de modo simples e delicado chegava à ela, era o que a guiava entre as linhas de seu esconderijo particular. 
  Nada a incomodava, ninguém estava por perto, ela encontrava-se sozinha entre letras, algumas folhas de papel, uma caneta e alguns raios de luz. No pensamento, as lembranças de tudo o que vivera com ele. Cada momento fora registrado como uma forma de afagar a saudade que ela sentia dentro daquele todo.
    O papel aos poucos se enchera de versos, a vida aos poucos se completara de experiência e o coração aos poucos, nunca tivera certeza do que seria o amor verdadeiro. O coração sempre tão frágil fazia questão de que essa fosse a única certeza que ela não possuísse, e foi, durante muito tempo, a certeza que ela buscou. Nos versos incompletos, lágrimas davam ao papel um novo tom, uma nova forma, mas guardavam um sentimento que nunca fora esquecido, nunca fora ultrapassado ou acabado. Ela o tornou, naquele instante, seu interior e escreveu cada palavra que lhe vinha à mente, desabafou, devaneou e encheu aquela folha de risos, choros, gemidos e sonhos.
      Era saudade que lhe enchia o peito. Era amor que lhe preenchia o coração. Era consolo o que ela buscava ali, pena que ela não conseguisse perceber o porquê daquilo, sempre fora cega demais para enxergar o que a vida lhe oferecia, e por demorar demais perdia. Lembrava da simplicidade das coisas, do acontecer e do despertar de cada movimento involuntário daquele que lhe pulsava peito adentro, das mãos frias que sempre eram aquecidas pelo fervor do sangue em suas veias a cada volta que aqueles braços davam em torno dela, das vontades que sempre eram supridas com amor e por amor.
     Um sorriso. Era apenas isso que ela precisava para que seu dia fosse único e excepcional. Uma palavra, para que seus olhos brilhassem mais que as estrelas no céu. Um verso, para que seu coração pulsasse aceleradamente. Um olhar, para que ela nunca tivesse coragem de partir. Uma voz, para que ela soubesse sempre retornar ao coração que lhe cabia. Duas mãos, para segurarem as suas e nunca a deixarem cair. Dois passos, para caminharem ao lado dos dela no caminho que ela escolhesse seguir.
     Não os tivera. Nem os enleios, nem a folha de papel, que se rasgara justamente na última palavra ou verso que lhe era escrito por estar umedecida de lágrimas. Ela desistiu, amassou tudo o que escrevera e decidiu parar de pensar em tudo aquilo, talvez a falta das lembranças fizessem das mesmas um paraíso esquecido, mas por mais que seu semblante algumas horas depois não apresentassem as marcas daquele choro e da escrita daqueles versos, seu coração, por mais forte que fosse, jamais seria capaz de esquecer a última sequência de palavras escritas e ouvidas : “Eu acredito no nosso amor.”


Agradecimento: Izabella Alves (foto)

17 de março de 2011

Crime Passional

      Já é tarde, e ele está vindo. Ele não avisou nada, mas o conheço bem e sei que ele vem esta noite. Preciso agradecer de alguma forma a todos que estiveram ao meu lado, meus amigos foram verdadeiros anjos que me ajudaram e me protegeram até o último momento, tenho certeza de que se algum deles soubesse que ele viria hoje, eu não estaria sozinha escrevendo esta carta, alguém estaria aqui comigo para me proteger. 

      Eu sou uma garota normal, sempre fui sonhadora, sempre fiz planos para o futuro. Desde pequena, sonhava em ter um carro, um apartamento e filhos que parecessem comigo, sonhava com uma menina que pudesse ter os meus olhos e o meu sorriso, queria cuidar dela como se eu estivesse cuidando de mim mesma, sonhava em ter muito dinheiro e poder dar aos meus filhos tudo o que não pude ter.

      Para realizar meus sonhos, eu precisava de alguém. Alguém que me ajudasse a construir tudo isso, que me incentivasse a lutar por cada um de meus anseios e que me desse amor, antes e acima de tudo. Posso até parecer um pouco egoísta, mas eu tinha a necessidade de ser o centro das atenções, e ele me fez pensar que eu era o seu mundo, ele me envolveu de tal forma que, a cada tentativa de fuga eu me envolvia mais. Era uma mistura maluca de desejo e ódio, de amor e repulsa, não sei explicar. Só sei que eu o odiava a cada gesto e o amava em cada olhar. Eu o odiava longe de mim, mas era só ele chegar para que a minha armadura de bronze virasse nada mais que pó.

      A necessidade dele era um desejo diário, mas a presença dele me lembrava o quanto ele me machucava e me feria com suas atitudes. Sim, sempre fui muito presa a atitudes e demonstrações de afeto. Para mim, não adiantava que ele dissesse que amava, eu sempre quis que ele provasse, afinal de contas, eu sempre achei o contrário. Ele sabia ser o meu pior amante, não por ser ruim, mas por maltratar meu ser e me deixar cheia de vontade de querer tê-lo cada vez mais. Era como uma droga, viciante, excitante e maligna, mas que meu corpo tinha sede e cobiça.

      Ele me possuía, e o pior, ele sabia disso. Foi difícil, mas lutando contra mim mesma eu consegui afastá-lo da minha vida. Afastá-lo, mas não tirá-lo de vez, ele sabia ser o pior de todos, ele sabia ser minucioso e paciente, como uma cobra pronta para dar o bote a qualquer distração que eu tivesse. Apesar da distância, ele exercia poder sobre mim, tanto que me fez manter silêncio, me fez ouvir a tudo calada e não me deu opção de escolha. Ou eu, ou o homem que eu escolhi amar.

     Não seria justo envolver o homem da minha vida e cedê-lo como vítima de meu passado sujo, eu não podia contar a ninguém, isso fazia parte do trato, eu não arriscaria aquele meu único sorriso sincero, meu único beijo amoroso, nem meu último abraço verdadeiro, por nada. Mesmo que isso tudo me custasse a vida. E custou. Ele vem esta noite, sei disso porque ele disse que eu não seria mais dele, porque eu escolhi deixar de ser, mas ele não foi capaz de me deixar ser de ninguém. A minha necessidade de ser o mundo de alguém, o obrigou a fazer de mim o seu mundo, o obrigou a me ter como centro de tudo, e eu o acostumei a não conseguir viver sem mim.

     Não sei se vou morrer feliz, por saber que marquei a vida de alguém, ou se devo morrer triste porque deixarei alguém que me mostrou o que é o amor e que se fez meu mundo, sem me pedir que eu o tornasse o meu tudo. Ele vem esta noite, talvez no meio do meu sonho mais bonito, para mostrar que eu sou o mundo dele e que sem mim, ele não vive e me mostrará que, mesmo após a minha morte, ele terá sido meu pior pesadelo.


Fonte Imagem: missaopoesia.blogspot.com

8 de março de 2011

Mulheres

     Parabens à elas, que no passado, lutaram para que hoje eu tivesse melhores condições de trabalho, uma vida mais digna, menos opressiva e para mostrar que eu não sou tão frágil quanto pareço. À elas que conseguiram ocupar lugares de destaque e que alcançaram posições que nunca ninguém imaginou, que se superaram e surpreenderam a cada dia. À elas que são o meu exemplo a ser seguido, mulheres de garra e fibra, que me fizeram ter consciência de que eu não estou aqui para ocupar o lugar de ninguém, e sim, para mostrar que eu posso, quero e vou ocupar mais espaço nessa sociedade. 

     Eu posso ser a mãe super protetora, a irmã companheira, a filha mimada, a namorada amorosa, esposa dedicada e muito mais, mas antes de tudo, eu sou mulher, confesso que não a mesma de antes, mas ainda sou a mulher que ri e que chora, que age com o coração sem esperar recompensas, que ainda sabe ser delicada, usa vestido e salto alto, que transforma as dúvidas em certezas, que gosta de receber elogios, carinho e atenção, que quer ser reconhecida pelo que é e pelo que faz, que quer ser amada e valorizada como merece, apenas isso.

      Queremos ser lembradas hoje e até ganhar uma rosa de presente, mas não só hoje, e sim todos os dias em que alguém que nos amar, lembrar de nós com amor e carinho, não queremos representações, porque a vida não é um teatro, nem falsas declarações. Afinal de contas, ser mulher é um dom e um presente da natureza que esconde por trás da beleza suprema, a doçura e magnitude de ser excepcional. Sorte daquele que sabe valorizar a mulher que tem ao seu lado. Parabens à todas nós, mulheres.



8 de março: Dia Internacional da Mulher


Homenagem à todas as mulheres, em especial à minha mãe, Ana Cruz, que me deu o dom da vida, que me amou desde o início e que não me abandonou em nenhum instante, dona do meu amor incondicional e da minha gratidão sem recompensas. Às minhas avós, Neuza e Thereza, que são as mulheres que tomo como exemplo de força, obstinação e superação, além de serem os amores de minha vida.

5 de março de 2011

Anjos - Final

  ...No período de um ano depois da perda do meu anjo, muitas coisas aconteceram e minha vida tomou rumos bastante vergonhosos. Sim, tenho muita vergonha de dizer que por fraqueza e covardia, eu não consegui aceitar o fato de viver sozinho com uma filha pequena, achei que não daria conta. Perdi completamente a fé em Deus, perdi o emprego e me tornei um alcoólatra. Sempre tentei dar o melhor à Luma enquanto Isadora estava ao nosso lado, depois que ela se foi, eu dediquei meu tempo e meu dinheiro à noites em mesas de bares, enquanto minha filha, ficava em casa esperando a noite chegar para encontrar a sua mãe em meio ao céu estrelado. 

    Um dia, cheguei em casa bêbado como de costume, e pude presenciar uma cena lastimável. Ao entrar no quarto de Luma, a avistei sentada na sacada e aos prantos ela conversava com o céu. Ela disse palavras que jamais esquecerei:"Mamãe, por favor, pede para o papai parar de chegar tarde em casa e me deixar sozinha porque eu tenho medo, eu gosto de passear, mas ele nunca me leva com ele, diz que é coisa de adulto. E pede também para ele parar de me bater, a mão dele é grande e por mais que eu me encolha na cama, ela me machuca. Volta para contar minhas histórinhas, mamãe!". 

    Eu não tive condições de continuar naquele lugar, senti vergonha, aflição e no peito uma vontade de fugir era imensa, mas não podia deixar minha filha de quatro anos sozinha e desamparada. Naquele mesmo dia, prometi que jamais encostaria a mão nela de novo, pararia de beber e tentaria seguir minha vida sem Isadora. Consegui passar um bom tempo sem a presença do álcool, me sentia angustiado, mas a alegria de Luma pela minha mudança, me fez ter um novo motivo para ser perseverante e lutar contra o meu vício. A cada dia, Luma ficava mais parecida com a mãe, nas atitudes e gestos de carinho, além da semelhança física. Era como se antes de partir, meu anjo tivesse se preocupado em não me deixar sozinho.

    No aniversário de cinco anos de Luma, alguns vizinhos resolveram organizar uma festa para ela, cada um levou uma coisa e fizemos uma comemoração, porém, alguém levou uma garrafa de whisky e por mais "limpo" que eu estivesse, a tentação falou mais alto. Tudo começou com a primeira dose dupla, depois a tripla e assim eu fui me embriagando. Luma não aguentou, dormiu cedo e nem esperou todos os convidados se retirarem, eu fiz as honras da casa e só me ausentei quando o último convidado atravessou a porta. 

    Cansado, acendi um cigarro, preparei a última dose de whisky e fui ao quarto de Luma para ver se ela estava bem, e estava, dormia feito um anjo, em seus lábios eu via um sorriso, acho que ela estava sonhando com a mãe, talvez no sonho, ela estivesse contando à uma estrela como fora a sua festa. Sentei-me ao lado da cama dela, e acabei adormecendo. Não sei por quanto tempo eu dormi, só lembro que acordei sufocado e, não pude ver nada, pois a fumaça invadia os meus olhos, chamei por Luma e não a encontrei, então me dei conta do barulho das sirenes, alguns gritos que vinham da rua, choros e algumas batidas fortes à porta.

  Não queria saber de mais nada, a não ser, sair daquela casa com a minha filha no colo, o fogo invadia os outros cômodos, entrei em desespero e, de repente, alguém me segurou forte e me tirou dali. Recebendo os primeiros socorros, a avistei, Luma vinha sendo carregada por um bombeiro, com o corpo inteiro queimado, logo ela ficou cercada de médicos, foi colocada na ambulância e seguiu sem a minha companhia, por mais que eu fosse o pai, eu estava bêbado e não me deixaram ir com ela.

    Recebi a notícia da morte de minha filha no dia seguinte, ela não resistiu às queimaduras e se foi. A causa do incêndio? Um copo de whisky e um cigarro aceso em cima de uma cama. Perdi mais um anjo, imagino o quanto Isadora deve ter se desapontado comigo, eu acabei com a vida do presente que ela havia me deixado. Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria comprado um laço rosa mais bonito, papel de seda e uma caixa de presente, para que o meu presente estivesse seguro e protegido até de mim. 

...Meu nome é A.J., tenho trinta e oito anos, é a terceira vez que estou aqui, sou alcoólico e há exatos um ano e seis meses não tenho contato com o álcool, eu tinha uma família feliz..."




FonteImagem: 2.bp.blogspot.com/_ms_xDJ04AJc/TCuF94y1yqI/AAAAAAAAAbE/vmQrlvUULeQ/s1600/alcoolismo.jpg

3 de março de 2011

Anjos - Parte I

    "Eu tinha uma família feliz. Tinha uma esposa linda, Isadora. Uma mulher maravilhosa, amorosa e atenciosa, que não me dava motivos para reclamar da vida. Todos os dias, Isadora me acordava com beijos carinhosos, acariciava meu rosto e dizia o quanto me amava e se sentia feliz ao meu lado, ela era o motivo pelo qual eu acordava feliz e agradecia a Deus diariamente pelo dom da vida. Depois do banho, o café da manhã estava sempre pronto, a mesa posta em perfeita harmonia, tudo no seu devido lugar e organizado com um capricho e primor que só ela tinha. Ela era o amor da minha vida.

    Lembro bem do dia em que ela me deu a notícia de que a família aumentaria. Depois de um longo dia de trabalho, no caminho de volta para casa, ela me ligou e pediu para que eu comprasse um laço cor de rosa, e disse que quando eu chegasse em casa, me explicaria tudo. Parei em um armarinho qualquer, pedi um grande laço rosa porque imaginei que fosse para embalar algum presente e segui o caminho. 

     Ao chegar em casa, Isadora veio me receber com o mesmo amor de sempre, pediu para que eu me sentasse e segurasse o laço nas mãos. Não entendi muita coisa, até que ela parou em minha frente e pediu para que eu amarrasse o laço em volta de sua cintura. Foi a primeira vez que achei que a minha mulher perfeita teria algum distúrbio, mas ela sempre sabia o que fazer e eu confiava nela. Fiz o que ela pediu, ela ajeitou alguns detalhes, e simulando uma voz de bebê disse: "Oi papai, Eu sou o seu mais novo presente, mas só chego daqui a oito meses.",em seguida ela me abraçou e sussurrou: "Parabéns, meu amor, agora seremos três em um.". Eu não contive as lágrimas de alegria, segurei-a em meus braços, a abracei como nunca e agradeci pelo melhor presente que ela poderia ter me dado.

    Os oito meses seguintes foram dedicados à espera da bebê, saíamos juntos para comprar roupinhas, planejamos o quartinho, e ela sempre se preocupava com cada detalhe desde a cor do berço ao desenho da renda das cortinas. Quanto mais os meses passavam e a barriga dela crescia, mais felizes e ansiosos ficávamos para a chegada de Luma. Até que o tão esperado dia chegou. Luma nasceu, era a representação perfeita de Isadora, tudo em seus traços remetiam a algo da mãe. O nascimento de nossa filha fez com que eu admirasse ainda mais a minha linda Isadora, que mostrava em cada gesto a perfeição materna, ninguém a ensinou, mas parecia que ela nascera com o dom de ser mãe.

     Quatro anos depois, Isadora faleceu em um acidente de trabalho, ninguém nunca explicou ao certo como tudo aconteceu, nem o corpo dela nós tivemos a oportunidade de ver pela última vez, a única coisa que soubemos é que o acidente fora ocasionado por falhas técnicas no avião em que ela estava. Foi um dos momentos mais difíceis de minha vida. Como explicar à uma criança que a mãe que lhe contava histórias todos os dias antes de dormir, jamais voltaria a repetir esse gesto? Embora meu coração estivesse dilacerado, não podia deixar que Luma percebesse o meu desespero,a fiz acreditar que, assim como nos contos que Isadora contava, ela não havia ido embora para sempre, e sim que teria se transformado na estrela mais brilhante do céu e que toda noite apareceria para ela a fim de lhe contar uma nova história...



Fonte imagem: http://metodomaisvida.com.br/gestantes/files/2010/06/familia-feliz.jpg

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...