22 de março de 2012

Sem memória

A última vez que estive ali fora há uns quarenta anos e uns trocados. Não foi de propósito que me sucedeu estar ali novamente. Sem querer, ou por ironia do destino, meu carro quebrou em frente àquela casa amarela, de pátio e varanda, sem cão de guarda e com uma cadeira de balanço na entrada.
Chamou-me atenção o número da casa, exposto em grandes fôrmas douradas, organizados sutilmente de forma transversal ao lado de um caixa de correios discreta e graciosa, que por alguns instantes remeteu a algo da minha infância, entretanto, o pensamento logo se esvaiu quando, à minha frente, surgiu um senhor oferecendo auxílio. Ele não aparentava ser muito velho, pelo menos não tanto quanto eu, mas já somava algumas boas primaveras.
Batendo à casa da frente, o homem pediu à jovem vizinha da casa amarela a caixa de ferramentas do marido. Ao entregá-las a ele, a moça de coração nobre me pediu para entrar e esperar enquanto o vizinho prestativo verificava e tentava consertar os danos do meu veículo.
Pollyana, era o nome dela, a moça da casa amarela, que me contou sobre sua vida, seus planos e contou a história daquela casa, só então percebi que a sala não estava igual, o teto agora era delineado a gesso. Pedi para que ela me apresentasse os outros cômodos e cuidadosamente ela me conduziu até o quarto do bebê que estava a caminho, não havia mais aquele ventilador de teto velho e barulhento, a cor do quarto agora era azul.
O quarto dela era de uma nuança rosé suave e com um banheiro amplo e claro, já não havia mais cortinas ou ladrilhos, era todo arrematado em mármore, espelhos e granito. O banheiro das visitas estava maior, o quarto de minha irmã agora era uma suíte para os hóspedes e a cozinha que minha mãe desenhou, fora substituída por outra planejada e modulada.
Na varanda, algumas peças de roupas estendidas no varal, tal qual antigamente aos sábados e domingos. No muro, os cacos de vidro foram substituídos por uma cerca elétrica e nas laterais da casa câmeras que substituíram aquele que pulava sobre mim sempre que eu abria o portão. Portão? Hoje ele não precisa de cadeados e chaves, ele é elétrico e carece apenas de um controle que cabe entre os dedos ou esconde-se na palma das mãos.
O vizinho tocou a campainha, não necessitava mais das palmas. Pollyana foi atendê-lo enquanto eu admirava o jardim de inverno que ela havia feito em uma das laterais da casa. Poucos minutos depois, veio me buscar, meu carro estava pronto. Passei pela porta da sala que, agora se abria em folhas; dei a última olhada pela lateral, na esperança de ver o meu melhor amigo vir correndo ao meu encontro, mas nada aconteceu.
Pollyana me abraçou e se despediu, fechou a porta. Olhei novamente e atentamente ao número da casa. Sorri, chorei, sorri. Agradeci ao vizinho prestativo pelo conserto do carro e voltei para a minha cadeira de balanço. Tomei alguns remédios e voltei a olhar para a janela e lembrar a minha juventude... Já contei a história do parque?


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