5 de março de 2011

Anjos - Final

  ...No período de um ano depois da perda do meu anjo, muitas coisas aconteceram e minha vida tomou rumos bastante vergonhosos. Sim, tenho muita vergonha de dizer que por fraqueza e covardia, eu não consegui aceitar o fato de viver sozinho com uma filha pequena, achei que não daria conta. Perdi completamente a fé em Deus, perdi o emprego e me tornei um alcoólatra. Sempre tentei dar o melhor à Luma enquanto Isadora estava ao nosso lado, depois que ela se foi, eu dediquei meu tempo e meu dinheiro à noites em mesas de bares, enquanto minha filha, ficava em casa esperando a noite chegar para encontrar a sua mãe em meio ao céu estrelado. 

    Um dia, cheguei em casa bêbado como de costume, e pude presenciar uma cena lastimável. Ao entrar no quarto de Luma, a avistei sentada na sacada e aos prantos ela conversava com o céu. Ela disse palavras que jamais esquecerei:"Mamãe, por favor, pede para o papai parar de chegar tarde em casa e me deixar sozinha porque eu tenho medo, eu gosto de passear, mas ele nunca me leva com ele, diz que é coisa de adulto. E pede também para ele parar de me bater, a mão dele é grande e por mais que eu me encolha na cama, ela me machuca. Volta para contar minhas histórinhas, mamãe!". 

    Eu não tive condições de continuar naquele lugar, senti vergonha, aflição e no peito uma vontade de fugir era imensa, mas não podia deixar minha filha de quatro anos sozinha e desamparada. Naquele mesmo dia, prometi que jamais encostaria a mão nela de novo, pararia de beber e tentaria seguir minha vida sem Isadora. Consegui passar um bom tempo sem a presença do álcool, me sentia angustiado, mas a alegria de Luma pela minha mudança, me fez ter um novo motivo para ser perseverante e lutar contra o meu vício. A cada dia, Luma ficava mais parecida com a mãe, nas atitudes e gestos de carinho, além da semelhança física. Era como se antes de partir, meu anjo tivesse se preocupado em não me deixar sozinho.

    No aniversário de cinco anos de Luma, alguns vizinhos resolveram organizar uma festa para ela, cada um levou uma coisa e fizemos uma comemoração, porém, alguém levou uma garrafa de whisky e por mais "limpo" que eu estivesse, a tentação falou mais alto. Tudo começou com a primeira dose dupla, depois a tripla e assim eu fui me embriagando. Luma não aguentou, dormiu cedo e nem esperou todos os convidados se retirarem, eu fiz as honras da casa e só me ausentei quando o último convidado atravessou a porta. 

    Cansado, acendi um cigarro, preparei a última dose de whisky e fui ao quarto de Luma para ver se ela estava bem, e estava, dormia feito um anjo, em seus lábios eu via um sorriso, acho que ela estava sonhando com a mãe, talvez no sonho, ela estivesse contando à uma estrela como fora a sua festa. Sentei-me ao lado da cama dela, e acabei adormecendo. Não sei por quanto tempo eu dormi, só lembro que acordei sufocado e, não pude ver nada, pois a fumaça invadia os meus olhos, chamei por Luma e não a encontrei, então me dei conta do barulho das sirenes, alguns gritos que vinham da rua, choros e algumas batidas fortes à porta.

  Não queria saber de mais nada, a não ser, sair daquela casa com a minha filha no colo, o fogo invadia os outros cômodos, entrei em desespero e, de repente, alguém me segurou forte e me tirou dali. Recebendo os primeiros socorros, a avistei, Luma vinha sendo carregada por um bombeiro, com o corpo inteiro queimado, logo ela ficou cercada de médicos, foi colocada na ambulância e seguiu sem a minha companhia, por mais que eu fosse o pai, eu estava bêbado e não me deixaram ir com ela.

    Recebi a notícia da morte de minha filha no dia seguinte, ela não resistiu às queimaduras e se foi. A causa do incêndio? Um copo de whisky e um cigarro aceso em cima de uma cama. Perdi mais um anjo, imagino o quanto Isadora deve ter se desapontado comigo, eu acabei com a vida do presente que ela havia me deixado. Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria comprado um laço rosa mais bonito, papel de seda e uma caixa de presente, para que o meu presente estivesse seguro e protegido até de mim. 

...Meu nome é A.J., tenho trinta e oito anos, é a terceira vez que estou aqui, sou alcoólico e há exatos um ano e seis meses não tenho contato com o álcool, eu tinha uma família feliz..."




FonteImagem: 2.bp.blogspot.com/_ms_xDJ04AJc/TCuF94y1yqI/AAAAAAAAAbE/vmQrlvUULeQ/s1600/alcoolismo.jpg

Um comentário:

  1. Um daqueles textos angustiantes, que te fazem engolir em seco no final. Final feliz não faz parte da vida de todo mundo, infelizmente.

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