24 de outubro de 2011

Epílogo


O relógio marca cinco e meia da manhã. Hoje é domingo, dia do descanso merecido por quem fez esse mundo, nem que fosse apenas o seu, girar a semana inteira. Um domingo diferente de todos os outros, bem como os últimos dias, os últimos meses. O último. Os jornais anunciam há semanas que o fim está próximo. Dizem que um meteoro gigante cairá sobre a Terra, dizem que o planeta explodirá em magma e luz. Minha mãe diz que “estava escrito”. Maktub. Pouco me importa o motivo. Em um dia, não haverá mais dia, nem noite, nem as lembranças de quem os viveu. Fim.

Mas eu ainda tenho tanta coisa pra fazer... Ora, e quando eu tive tempo pra riscar toda a minha lista de tarefas do dia? Um dia de trinta horas? Nunca passou de um sonho, um devaneio impossível. O mundo vai virar poeira cósmica e, mesmo assim, nunca deixamos de achar que tínhamos em nossas mãos um poder que ninguém teria. Nós sempre fomos poeira. Controlar o tempo, mediar a paz universal, fazer o gol do título, atirar a flecha do cupido. Quando iríamos entender o óbvio, que não éramos nada além de peças no tabuleiro?
O tabuleiro das nossas vidas, que muitos acreditavam viver sozinhos. Ledo engano. Dependência, nossa maior condição. Desde o ventre materno, os primeiros coleguinhas da escola, os grandes amigos de infância, até os amores e afetos, as companhias fortuitas ou premeditadas. Hoje eu vejo o quão dependentes nós somos. Mais do que muitos nem sequer imaginavam. Todos se abraçam, choram, pedem perdão, agradecem. Nas ruas, nas casas, na TV.
E eu? Onde eu cheguei? Será que destes dias, em que pude exercer o dom do raciocínio, eu parei e pensei na minha trajetória? Hoje é o fim da linha, a última volta da corrida, e como está meu carro? E as avarias que sofri e causei? Garanto que a minha pista não foi lá das mais planas e retas. Derrapei, como o mais experiente. Fiz curvas perfeitas, ultrapassei, trapaceei, enganei e fui enganado. Os olhos que fingiram ternura um dia, choraram em outro. E agora? Céu ou inferno?
Posso dizer que fui um bom garoto, merecedor de todos os presentes que ganhei de Noel. Posso dizer que aprendi muito com os erros. Aprendi a não errar, aprendi a saber errar. O orgulho eu nunca controlei por inteiro, mas eu sei o quanto me esforcei pra reconhecer minhas derrotas. Ninguém vai ler esse meu desabafo, não há tempo, porém eu acho que preciso ler, escrever, organizar toda a bagunça que sou. Acho que devo desculpas. Perdoar e ser perdoado, talvez.
Nunca matei, nunca roubei, nem usei drogas. Mas magoei muita gente, com meu jeito torto de agir, pensar, amar. Se eu pudesse, agora, eu diria a todos que explodirão daqui a pouco com uma péssima imagem de mim, o mais sincero “me perdoa, por favor” da minha vida. Clemência? Palavra forte. Alívio.
E por quê eu não fiz isso antes? O ser humano sempre foi movido a desafios, a limites, a agir em momentos extremos. Enquanto eles não existem, não há razão para fazer as pequenas coisas. O medo de ser o que somos, banais. Demorei demais para perdoar pequenas falhas, coisas bobas. Os ressentimentos não estão mais em mim. Me sinto mais limpo. Limpo e livre de qualquer amarra, para pedir perdão e dar perdão. Estamos todos no mesmo barco.
Como eu sou egoísta! Até agora ainda não pensei em quantos merecem minha gratidão. Muitos, muitos mesmo. Cada tijolo colocado em meu muro erguido desde sempre, cada favor, cada cola na prova, cada dia feliz, cada sorriso sincero. Eu não chegaria aqui. A todos, sem exceção, que de alguma forma construíram a versão final deste homem que sou, ou que fui, MUITO OBRIGADO. Até errando, muitos de vocês me fizeram acertar. Agradeço até a quem não me ouvirá. Obrigado, pôr-do-sol. Obrigado, chuva das duas. Obrigado, Machado.
Agora são seis e quinze. Hora de sair daqui, me despedir do meu velho companheiro eletrônico, dos meus “amigos” virtuais, dos meus textos, da minha vida pro mundo. Agora é a hora de tentar pedir perdão, de tentar perdoar, de tentar agradecer, de tentar fazer um décimo do que pensei. Sem contar o que não pensei. Prefiro que seja assim, não prever o que farei hoje. Vou fazer o que quiser pra, pelo menos hoje, sentir que o mundo é meu.
Quem sair por último, que apague a luz.

                                              Fonte Imagem: http://4.bp.blogspot.com/


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Gustavo Ferreira, @gusdferreira ou @reportere, dono dos blogs Etc e Reporter E, estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Pará, grande amigo e incentivador do blog, é a pessoa mais apaixonada pelo o que faz que eu conheço, seu amor pelo jornalismo corre muito além das veias. Gustavo encerra a Semana de Homenagens do Entreletr@s com um texto inédito. O blog completou 1 ano e ele não poderia deixar de ter um texto do seu PRIMEIRO SEGUIDOR, aqui, pela segunda vez consecutiva. Obrigada Gustavo, pelo texto e pelo carinho com o blog, que Deus ilumine o seu caminho e conceda cada vez mais sucesso à sua carreira.

4 comentários:

  1. Quem sabe alguns, depois de lerem esse texto, comecem hoje a fazer tudo o que deixariam pra fazer apenas no fim?

    Good as always.

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  2. Na minha humilde opinião,o texto do Gus encerrou com chave de ouro essa brilhante ideia da semana de homenagens.Falando nesse maldito...já disse o quanto te odeio por escreveres tão bem?Certamente teu texto abrilhantou ainda mais o blog da Rah.
    Ps.Refleti horrores com os post's dessa semana.

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  3. Eu que agradeço o carinho e o espaço. No que depender de mim, esse blog. Tô sempre por aqui, pra quando precisares! (f)

    E vocês dois, meus queridos amigos, nem agradeço mais. :D

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